Medicina e Ciência - Do Método Científico ao Método Clínico

A Ciência como um Processo

A investigação científica, utilizando o método científico, procura, de uma forma sistemática e controlada, descrever a realidade de modo preciso e válido, recorrendo a métodos de estatística descritiva e inferencial e, num patamar mais elevado de evidência, estabelecer relações de causalidade (p. ex., verificando critérios de causalidade comummente aceites) que permitam, a partir de condições conhecidas, prever o acontecimento de determinados resultados.
Esta descrição do Método Científico que, por uma questão pedagógica, será apresentado como um processo constituído por oito fases, será feita com base no paradigma da Investigação Médica.

 

1. Formulação da questão

A investigação inicia-se pela identificação de lacunas em determinadas áreas do conhecimento, ou seja, pela formulação da questão. Muitos são os meios usados para identificar as lacunas de conhecimento: problemas encontrados na prática clínica, leitura de bibliografia científica, problemas focados em congressos e reuniões, entre muitos outros.
Após esta formulação faz-se, geralmente, uma revisão do conhecimento (revisão bibliográfica) existente sobre o assunto a ser tratado. A revisão bibliográfica é importante para identificar as questões que se mantêm em aberto, os métodos geralmente usados no estudo das questões em causa e os erros e limitações de outros trabalhos.

A formulação da questão, sendo a primeira e, talvez, mais importante fase para a execução de um bom trabalho de investigação, deverá identificar o objectivo e explicitar o objecto do trabalho de investigação.

2. Concepção do desenho do estudo

A principal função de desenho do estudo é explicitar o modo como é suposto serem encontradas as respostas à questão formulada.
Ao conceber o desenho do estudo definem-se certas características básicas do estudo, como sejam, a população a ser estudada, a unidade de análise, a existência ou não de intervenção directa sobre a exposição, a existência e tipo de seguimento dos indivíduos, entre outras.
Num trabalho de investigação, a selecção de um desenho apropriado é essencial para a obtenção de resultados e conclusões válidos. A escolha inadequada do desenho do estudo leva à obtenção de resultados incorrectos e ao desperdício de recursos humanos e financeiros. Ao seleccionar determinado desenho é importante assegurar-se da sua validade e exequibilidade. Na comunidade científica, a importância de um determinado trabalho de investigação é primariamente avaliada à luz do desenho de estudo adoptado. Existe uma enorme variedade de desenhos de estudos e é necessário ter conhecimentos básicos sobre, pelo menos, os mais frequentemente utilizados.

O investigador deve ser capaz de escolher e desenvolver o desenho mais apropriado para responder à questão formulada. Deve ainda ser capaz de justificar essa selecção e conhecer as vantagens, desvantagens e limitações da escolha que foi feita.

3. Selecção das fontes de dados

A validade e precisão das conclusões de um trabalho de investigação dependem, em grande medida, da criação de instrumentos adequados para a colheita de dados.
Se se pensa fazer a colheita de dados especificamente para o estudo, isto é, utilizar dados primários, é necessário construir instrumentos ou seleccionar instrumentos já construídos por outros investigadores que permitam a colheita dos mesmos. Se se pensa utilizar dados secundários (informação previamente colhida com outros propósitos) devem desenvolver-se instrumentos que permitam a extracção dos dados pretendidos a partir das suas fontes originais. É importante, neste contexto, ter os conhecimentos necessários ao desenvolvimento de instrumentos, assim como conhecer os conceitos de validade e precisão aplicados aos mesmos.
O uso dos instrumentos para colheita de dados num estudo piloto é uma das mais importantes partes da construção destes. O estudo piloto, por regra, deve ser levado a cabo, não na amostra escolhida para o estudo a realizar, mas sim numa amostra, normalmente mais pequena, proveniente da mesma população.

4. Selecção dos participantes

A selecção dos participantes envolve a definição dos critérios de inclusão e exclusão, tendo em conta a população que se pretende estudar, e a selecção de um grupo restrito de indivíduos dessa população - amostragem - que irão ser estudados.
O objectivo principal de qualquer método de selecção de participantes é diminuir, tanto quanto possível, tendo em conta as limitações existentes, as discrepâncias entre os resultados obtidos a partir da amostra escolhida e as verdadeiras características da população em estudo. O método de amostragem baseia-se na premissa de que um número relativamente pequeno de indivíduos de uma população, quando seleccionados adequadamente, podem fornecer resultados que se aproximam, com um determinado grau de certeza, daqueles que se encontrariam se se estudasse a população de onde a amostra proveio na sua totalidade.

A teoria da amostragem é guiada por dois princípios essenciais:

  1. evitar o enviesamento na escolha da amostra;
  2. atingir a máxima precisão possível com os recursos disponíveis.

Existem três métodos principais de amostragem:

É necessário conhecer e saber utilizar estes métodos de amostragem, assim como, conhecer as vantagens e desvantagens de cada um e as situações específicas em que podem ou não ser usados, de modo a poder escolher o mais apropriado para o estudo a ser realizado.
O tipo de amostragem usada vai determinar a capacidade de generalização dos resultados do estudo realizado, para a população estudada, e determinar o tipo de análise estatística que deve ser levada a cabo.

5. Elaboração do protocolo

Até ao momento, foi sendo desenvolvido todo o trabalho preparatório do estudo.

O próximo passo será conjugar todos os vários elementos de modo a poder apresentar a descrição e estruturação do estudo a ser realizado.
O protocolo é um plano geral que informa quem o lê sobre o problema em questão e do modo como se tenta resolvê-lo. As várias instituições podem ter diferentes padrões, tanto para a forma, como para o conteúdo dos protocolos, mas a maioria delas requer aquilo que aqui se define, sendo as directrizes apresentadas aceitáveis para a maioria delas.

A principal função do protocolo é a de tornar possível a comunicação clara, detalhada e estruturada, do seguinte:

6. Colheita de dados

Tendo definido o desenho do estudo e os outros passos preliminares do trabalho de investigação, é chegado o momento de iniciar a realização do estudo propriamente dito.
A primeira fase será a obtenção dos dados. O desenho do estudo já deve ter definido, à partida, os procedimentos a adoptar para a obtenção dos dados e o protocolo do estudo já deve conter a estruturação e calendarização das tarefas necessárias à obtenção dos dados.
A partir dos dados vão fazer-se generalizações e tirar-se conclusões; eles vão ser o suporte de todo o estudo, logo, deve ter-se grande atenção a esta fase, pois é nela que, muitas vezes, surgem problemas que inviabilizam ou diminuem grandemente a validade do estudo. Existe uma grande variedade de métodos e estratégias que podem ser utilizados para a colheita dos dados e que convém conhecer e saber utilizar apropriadamente.

7. Processamento e análise de dados

O processamento e a análise estatística dos dados são, também, fases essenciais na realização do trabalho de investigação propriamente dito.
O processamento compreende a introdução, edição, limpeza e a manipulação (ex: categorização de variáveis contínuas) dos dados em bruto, fases importantes para a preparação da análise estatística.
A análise dos dados consiste na aplicação de técnicas de estatística descritiva e inferencial, com o objectivo de retirar informação útil das observações realizadas.
Ao longo da disciplina de Introdução à Medicina serão focados os aspectos básicos relacionados com a análise estatística de dados.

8. Divulgação de resultados

A divulgação de resultados é o passo final de todo o processo de investigação, e vai constituir o meio pelo qual vão ser comunicados ao mundo os resultados e conclusões resultantes do trabalho de investigação realizado.
A decisão sobre a maneira como os resultados vão ser comunicados já deve ter sido tomada inicialmente, na altura da elaboração do protocolo.

Resta, agora, pôr as mãos à obra e escrever. Antes de começar, porém, deve criar um esquema, que deve ser incluído no protocolo e que ajuda a organizar os temas e ideias. Os moldes em que a divulgação dos resultados será feita derivam, necessariamente, do tipo de investigação realizada, dos fins a que se destina e das preferências pessoais.

Basicamente, os resultados podem ser apresentados em três formatos diferentes:

  1. Apresentação oral;
  2. Poster;
  3. Publicação - em papel ou on-line.


A publicação dos resultados pode tomar várias formas:

1) sumário;
2) comunicação curta;
3) artigo original;
4) relatório de investigação;
5) tese ou dissertação.

Cada um destes meios de comunicação tem as suas regras próprias, mas além destas devem ser, ainda, seguidos alguns princípios básicos, tais como a necessidade de clareza e brevidade. O texto deve ser apresentado na terceira pessoa, de maneira lógica e com linguagem precisa. Uma vez concluído o texto, qualquer outro investigador deverá ser capaz de reproduzir, se o desejar, integralmente, todos os passos do trabalho de investigação.