Desenhos de estudo

Estudos ecológicos

Estrutura

Até esta altura, todos os tipos de estudo descritos tinham como unidade de análise o indivíduo. Existem, no entanto, estudos em que a unidade de análise não é o indivíduo, mas sim, o grupo de indivíduos (mais frequentemente agregados em função de factores geográficos ou temporais).

Estudos em que a exposição aos factores em estudo, a frequência da doença e as variáveis de confusão são analisados para grupos de indivíduos, logo, se desconhecem as distribuições conjuntas dos factores e da doença, a nível individual, dentro de cada grupo, são designados estudos ecológicos.

As fontes de dados usadas em investigação biomédica incluem, tipicamente, observações directas de indivíduos, mas, podem incluir, também, observações de grupos, organizações ou locais, as chamadas variáveis ecológicas. Estas variáveis têm a grande vantagem de serem facilmente extraídas de estatísticas globais que são obtidas regularmente, como por exemplo, dados de estatísticas vitais, censos, registros oncológicos, etc. Estas variáveis podem ser de três tipos: de agregação (ex: percentagem de fumadores no distrito do Porto, rendimento familiar médio em Portugal, etc.); ambientais (ex: nível de poluição na cidade de Lisboa, nš de horas com luz solar na zona litoral norte, etc.); ou globais (ex: densidade populacional, existência de uma lei específica, tipo de sistema de saúde, etc).

Existem vários tipos de estudos ecológicos. Estes podem ser classificados tendo em conta duas dimensões: o método de medição da exposição e o método de agregação dos indivíduos. Quanto à primeira dimensão, podem ser classificados em exploratórios (não existe um factor específico em estudo ou este não é medido) ou analíticos (se existe um factor específico, cujo efeito se pretende estudar, que é medido e incluído na análise). Quanto à segunda dimensão, os grupos num estudo ecológico podem ser identificados em função do local (múltiplos grupos), do tempo (séries temporais) ou de uma combinação de local e tempo (desenho misto). Em estudos de múltiplos grupos pretende-se analisar associações ecológicas entre doença e exposição(ões) existentes entre vários grupos, num mesmo tempo. Em estudos de séries temporais pretende-se analisar associações ecológicas entre doença e exposição(ões) tendo em conta as suas alterações ao longo do tempo, num mesmo local. Em estudos mistos pretende-se analisar associações ecológicas entre doença e exposição(ões) tendo em conta as suas alterações ao longo do tempo e em vários locais.

A partir dos dados ecológicos sobre exposição(ões) e frequência da doença poder-se-á, então, analisar, usando vários métodos estatísticos, a associação entre a doença e determinados factores e, também, calcular estimativas de medidas de efeito como o risco relativo ou a diferença de riscos. Os métodos estatísticos mais usados neste contexto envolvem a utilização de métodos de correlação ou regressão e de modelos lineares, simples ou múltiplos.

Um exemplo típico da utilidade deste tipo de estudos é o estudo realizado por St. Leger em 1979 em que foram reunidos dados sobre taxas de mortalidade por doença coronária em 18 países, de modo a estudar a relação entre esta e vários factores económicos, nutricionais e relacionados com os serviços de saúde prestados em cada um desses países. Uma das conclusões inesperadas deste estudo foi a forte associação negativa entre a mortalidade por doença coronária e o consumo de vinho. Este estudo levantou a hipótese de que o consumo de vinho podia ser um factor protector em relação à doença coronária. Desde então, vários estudos com indivíduos como unidade de análise têm demonstrado que os níveis de HDL, um factor protector para doenças cardiovasculares, são aumentados pelo consumo de vinho e confirmaram a hipótese levantada.

Vantagens

A possibilidade de usar variadas fontes de dados secundários trás grandes vantagens a este tipo de estudos, como a sua facilidade de execução, a rapidez com que se podem obter resultados e o facto de serem financeiramente pouco exigentes.

Por outro lado, estes estudos permitem analisar determinadas questões mesmo que não seja possível estudar as populações a nível individual, por razões financeiras, temporais ou outras.

Existem vários tipos de efeitos e, deste modo, se se pretendem determinar efeitos ecológicos a única maneira de o fazer é através de um estudo ecológico. Os efeitos ecológicos são especialmente relevantes quando se pretende avaliar o impacto de determinados processos de mudança social ou intervenções na comunidade, como por exemplo, novos programas, políticas ou legislação.

Por último, neste tipo de estudos a exigência em termos de apresentação e análise de dados é muito menor do que em estudos com base individual, especialmente se tiverem grande número de indivíduos. Por vezes, são mesmo, uma opção de apresentação e análise de grandes estudos com base individual, como inquéritos periódicos de âmbito nacional (ex: o "National Health Interview Survey" realizado nos EUA).

Desvantagens

Estes estudos têm todas as limitações inerentes ao facto de serem estudos observacionais.

Têm, também, a importante desvantagem de, muitas vezes, usarem dados secundários (dados de mortalidade, estatísticas vitais, registros oncológicos, registros clínicos, etc) de precisão e validade variáveis e que podem ser inadequados ou estar incompletos.

A maior limitação dos estudos ecológicos é o chamado viés ou falácia ecológica. A falácia ecológica resulta de se fazerem inferências causais em relação a indivíduos tendo como base observações de grupos e advém da distribuição heterogénea da exposição ao factor em estudo e outros cofactores dentro dos próprios grupos. Por exemplo, um famoso estudo ecológico realizado por Emil Durkheim, no século XIX, descrevia uma associação ecológica positiva entre a proporção de indivíduos de religião Protestante e as taxas de suicídio, tendo como base o estudo de várias províncias da Prussia. Durkheim concluiu, deste modo, que os Protestantes têm maior probabilidade de se suicidarem do que os Católicos. Apesar da conclusão poder ser verdadeira, a inferência causal não é, do ponto de vista lógico, correcta, uma vez que poderiam ter sido os Católicos em províncias predominantemente Protestantes a cometer os suicídios, e a metodologia ecológica não permite discernir qual das duas hipóteses está certa.

Um outro importante problema metodológico dos estudos ecológicos prende-se com o controlo de variáveis de confusão. Este controlo é mais difícil em estudos ecológicos pela ausência de informação sobre a distribuição conjunta do factor em estudo e dos cofactores em causa.

Por último, é também importante ter em conta que numa análise ecológica certas variáveis, tais como factores socio-demográficos e ambientais, tendem a estar mais fortemente correlacionados entre si do que em análises de base individual. A este fenómeno dá-se o nome de colinearidade e implica uma grande dificuldade em separar, estatisticamente, os efeitos específicos dessas variáveis. A colinearidade é, geralmente, mais problemática quando se fazem análises ecológicas de grupos múltiplos, envolvendo um pequeno número de grupos grandes e heterogéneos (ex: distritos, países, etc).