Estrutura
A estrutura de um estudo transversal é semelhante à de um estudo de coorte, no entanto, nos estudos transversais todas as medições são feitas num único "momento", não existindo, portanto, período de seguimento dos indivíduos. Para levar a cabo um estudo transversal o investigador tem que, primeiro, definir a questão a responder, depois, definir a população a estudar e um método de escolha da amostra e, por último, definir os fenómenos a estudar e os métodos de medição das variáveis de interesse.
Este tipo de estudos são apropriados para descrever características das populações no que diz respeito a determinadas variáveis e os seus padrões de distribuição.
Os estudos transversais podem, também, ser utilizados para descrever associações entre variáveis. Neste caso, a definição de quais as variáveis independentes e quais as dependentes depende, ao contrário dos estudos de coorte, da hipótese de causalidade estabelecida pelo investigador e não do próprio desenho de estudo. Decidir se uma variável é dependente ou independente é relativamente fácil no caso de certos factores constitucionais como a idade, sexo ou grupo étnico uma vez que estes não são alterados por outras variáveis e são, assim, geralmente, variáveis independentes. Para a maior parte das variáveis, porém, a escolha é algo mais complicada. Por exemplo se através de um estudo transversal se encontra uma associação entre a prática de exercício físico e a presença de doença coronária esta pode dever-se ao facto de os indivíduos que praticam pouco exercício físico desenvolverem mais frequentemente doença coronária ou ao facto de os indivíduos com doença coronária praticarem menos frequentemente exercício físico devido à sua doença.
Suponha-se uma situação em que um investigador fez um estudo transversal para responder à questão: qual a prevalência de infecção por Clamídia na população e qual a sua relação com o uso de anticoncepcionais orais? Para isso, o investigador começou por definir a população em estudo, neste caso, as mulheres seguidas num determinado Serviço de Ginecologia de um Hospital Central. Em seguida, seleccionou uma amostra de 100 mulheres. Fez, depois, as determinações das variáveis dependente e independente através do registo da história de uso de anticoncepcionais orais no último ano e realização de um esfregaço vaginal para posterior exame microbiológico. Demorou cerca de 6 meses, até acabar de examinar todas as mulheres pertencentes à amostra. Os resultados obtidos foram: 50 mulheres apresentavam história de uso de anticoncepcionais orais no último ano, tendo 10 delas exames culturais para Clamídia positivo; 50 mulheres não tinham história de uso de anticoncepcionais orais, apresentando 5 delas exames culturais positivos. Assim, a prevalência de infecção por Clamídia nessa amostra de mulheres seguidas no Serviço de Ginecologia foi de 15% e concluiu-se haver uma associação entre o uso de anticoncepcionais orais e a presença de infecção por Clamídia com um risco relativo (RR) de (10/50)/(5/50)=2,0.
Figura 1. Desenho de um estudo transversal.
Neste exemplo encontra-se
uma importante medida de frequência que é, caracteristicamente,
encontrada a partir de estudos transversais - a prevalência (de
facto, este tipo de estudos são muitas vezes designados de "estudos
de prevalência"). A prevalência de uma determinada doença
é definida como a proporção de indivíduos de uma
população que apresentam tal doença num determinado momento
no tempo.
No exemplo, encontramos, também, uma medida de associação - o risco relativo ou razão de riscos - que foi já descrita para os estudos de coorte e que pode ser calculada, do mesmo modo, nos estudos transversais, sendo a sua interpretação, também, semelhante. Neste contexto, define-se risco relativo como a razão entre a prevalência da doença nos indivíduos que possuem o factor em estudo e a prevalência da doença nos que não o possuem, podendo, assim, ser, também, designado de prevalência relativa. No exemplo encontrou-se um risco relativo de 2,0 o que é interpretado como sendo 2 vezes superior o risco de estar doente nos que apresentam o factor em estudo em comparação com aqueles que o não apresentam. O risco relativo calculado a partir de um estudo transversal é uma boa estimativa do risco relativo calculado a partir de um estudo de coorte, especialmente se o factor em estudo não afecta a duração da doença (vide infra os viéses de incidência/prevalência).
Vantagens
A maior vantagem dos estudos transversais sobre os estudos de coorte prende-se com a prontidão com que se podem tirar conclusões e com a não existência de um período de seguimento. Estas questões tornam os estudos transversais mais rápidos, mais baratos, mais fáceis em termos logísticos e não sensíveis a problemas como as perdas de seguimento e outros, característicos dos estudos longitudinais. Este tipo de estudos são a única maneira de calcular a prevalência das doenças e dos factores de risco. São também estudos adequados à análise de redes de causalidade.
Os estudos transversais podem ser levados a cabo como a primeira etapa de um estudo de coorte ou ensaio clínico sem grandes custos adicionais. Os resultados definem as características demográficas e clínicas de base da amostra em estudo e podem, por vezes, revelar associações de interesse para o restante do estudo.
Desvantagens
A maior desvantagem dos estudos transversais prende-se com a impossibilidade de estabelecer relações causais por não provarem a existência de uma sequência temporal entre exposição ao factor e o subsequente desenvolvimento da doença.
Estes estudos partilham as desvantagens dos estudos observacionais em geral, já anteriormente expostas.
Estes estudos são pouco práticos no estudo de doenças raras, uma vez que estas obrigam à selecção de amostras muito numerosas.
O facto de nos estudos transversais só se poder medir a prevalência, e não a incidência, torna limitada a informação produzida por este tipo de estudos no que respeita à história natural das doenças e ao seu prognóstico.
Este tipo de estudos são susceptíveis aos chamados viéses de prevalência/incidência que acontecem quando o efeito de determinados factores relacionados com a duração da doença é confundido com um efeito na ocorrência da doença. Por exemplo, num estudo realizado na década de 70 encontrou-se uma grande frequência de antigénio linfocitário humano A2 (HLA-A2) entre crianças que sofriam de leucemia linfocítica aguda (LLA) e os investigadores concluíram que as crianças com este tipo de HLA tinham um risco acrescido de desenvolver esta doença. Estudos subsequentes vieram, no entanto, demonstrar que o HLA-A2 não era um factor de risco para o desenvolvimento da LLA, mas sim, um factor que estava associado a um melhor prognóstico em crianças com esta doença. Assim, a maior sobrevida dos doentes com HLA-A2 fazia com que na amostra de doentes do estudo transversal houvesse uma maior probabilidade de encontrar doentes com este tipo de HLA em comparação com os outros tipos. Observou-se, assim, que uma aparente maior incidência era na realidade o efeito de uma maior prevalência devido a um melhor prognóstico.