Medicina e Ciência - Do Método Científico ao Método Clínico

O Método Clínico

Nesta aula apresentar-se-á, somente, uma curta discussão sobre o Método Clínico, uma vez que ele será apresentado de uma forma mais aprofundada, juntamente com a sua componente prática, que é a maneira mais adequada de o aprender/ensinar, em fases mais avançadas do curso de Medicina.

O Médico, ao praticar Medicina, tem, de modo semelhante ao que acontece com o Método Científico, necessidade de colher, analisar e sintetizar dados ou observações, assim como formular e testar hipóteses, com o intuito de obter informação útil que será, depois, usada no processo de decisão aplicado a cada indivíduo. A todo esse processo, desde a colheita da informação até à decisão e discussão desta com o doente e o estabelecimento de um plano terapêutico, dá-se o nome de Método Clínico. Este, tal como o Método Científico, tem evoluido ao longo do tempo e tem sido alvo de algumas controvérsias.

O raciocinio clínico é um processo, ainda hoje, não totalmente compreendido. Sabe-se, porém, que ele tem por base múltiplos factores, como a experiência e a aprendizagem, o raciocínio dedutivo e indutivo, a interpretação de evidência científica, que é variável em reprodutibilidade e validade, e a intuição que é um aspecto difícil de definir.

Com o objectivo de melhorar o raciocínio clínico, várias tentativas de análise quantitativa dos vários factores nele envolvidos têm sido feitas (ex: estudo dos processos cognitivos envolvidos no raciocínio clínico, criação de sistemas de apoio à decisão, etc). Embora estas tentativas tenham sido úteis no avanço da compreensão do raciocínio clínico, todas elas têm problemas teóricos ou práticos que limitam a sua aplicabilidade à prática clínica diária. Estas tentativas de aplicação do rigor e lógica inerentes ao método quantitativo têm, no entanto, proporcionado grandes avanços na compreensão do raciocínio clínico, e permitiram identificar modos de melhorar este processo, tornando-o mais eficaz e eficiente.

Usando um modelo simplificado, pode descrever-se o Método Clínico como um processo dividido em cinco fases.

História Clínica e Exame Físico

A primeira fase consiste na colheita da História Clínica, através de entrevista. A História Clínica deve incluir a seguinte informação: identificação do doente, motivo da consulta, história da doença actual, antecedentes pessoais, história social e ocupacional, antecedentes familiares e a revisão de sintomas por aparelhos e sistemas. Esta colheita de informação avança em função de um processo iterativo de formulação e refutação de hipóteses diagnósticas, que levam, na maior parte dos casos, a um diagnóstico correcto, já nesta fase.

Ainda nesta primeira fase tem lugar a realização do Exame Físico, com especial ênfase nos órgãos provavelmente envolvidos na doença actual. Este exame deve ser completo e sistematizado e é guiado pelas hipóteses formuladas na colheita da História Clínica.

Esta primeira fase é muito importante por duas razões: primeiro, porque é nesta fase que se devem obter, de forma rigorosa, completa, válida e precisa, os dados ou observações que estarão na base do raciocínio que levará à formulação do diagnóstico. Esta colheita de dados ou observações deve ser feita com "o rigor científico". Segundo, porque é no decorrer desta fase que se estabelece e desenvolve a relação Médico-Doente, que será a base do restante do processo e que dá "um toque de arte" ao mesmo.

Exames Auxiliares de Diagnóstico

Numa segunda fase, o clínico pode requisitar um conjunto de exames auxiliares do diagnóstico que julge necessários à confirmação das possibilidades diagnósticas levantadas na fase anterior. O clínico deve conhecer, pormenorizadamente, as características operacionais de cada exame (sensibilidade, especificidade, valores preditivos e exactidão), as suas indicações específicas e os potenciais riscos e benefícios que a sua utilização tem. Claro que, tendo em conta os riscos e benefícios dos exames, estes só deverão ser requisitados quando necessário e quando a história clínica e o exame físico se mostrarem insuficientes para estabelecer o diagnóstico com a precisão adequada.

Integração dos Dados Clínicos e dos Exames Auxiliares de Diagnóstico

Numa terceira fase faz-se a integração da informação proveniente das várias fontes disponíveis (história clínica, exame físico e exames auxiliares de diagnóstico), com o intuito de estabelecer o diagnóstico e o prognóstico (tendo em conta as características específicas do indivíduo). Uma das formas de fazer esta integração da informação é usando um método quantitativo designado Análise Bayesiana. Este método permite, a partir do conhecimento da probabilidade de um indivíduo ter uma doença antes de um qualquer exame ser realizado (probabilidade pré-teste ou probabilidade antecedente), e tendo conhecimento sobre as características do exame (sensibilidade e especificidade), calcular a probabilidade de existência de doença após o conhecimento do resultado desse exame (probabilidade pós-teste ou probabilidade posterior). Uma discussão mais ampla sobre este método está fora do âmbito desta aula, mas chama-se a atenção para a sua importância na compreensão do raciocínio clínico, pois este é, provavelmente, o modelo matemático que mais se lhe assemelha.

Comparação de Riscos e Benefícios: Análise de Decisão

Os riscos e benefícios de subsequentes opções diagnósticas ou terapêuticas devem ser avaliados. Após esta avaliação deve ser tomada a decisão sobre o que será recomendado ao doente. Um método quantitativo, designado Análise de Decisão, foi proposto para, através da análise de riscos e benefícios das intervenções e das probabilidades dos diferentes resultados possíveis, se obter a melhor decisão para cada doente. A sua utilização na prática clínica tem, no entanto, várias limitações. A discussão deste método está fora do âmbito desta aula.

Recomendação e Início do Plano Terapêutico

Na quinta e última fase, a recomendação que foi produto da decisão anterior, após análise de riscos e benefícios das várias opções, será apresentada ao doente. A apresentação da recomendação do médico deve ser acompanhada de uma discussão sobre as várias opções que se apresentam ao doente, de um modo simples e conciso, que lhe permitam perceber, claramente, o que está em causa. Por último, após a decisão final, deve ser iniciado o plano terapêutico escolhido e feita a programação do seguimento do indivíduo, quando apropriado.