Seria falso defender que
a descrição feita acima é a única maneira de interpretar
o método científico. De facto, esta matéria é, ainda
hoje, fonte de enormes controvérsias.
Em primeiro lugar,
à metodologia deve ser aplicada a mesma lógica que o método
defende. Assim, o método científico não é uma verdade
eterna e absoluta, mas antes, está aberto à crítica, ao
debate e à mudança.
Em segundo lugar,
a interpretação do Método Científico é
uma actividade a que se dedica a filosofia da ciência e a epistemologia.
Ao adoptarem diferentes enquadramentos teóricos (Realismo, Idealismo,
etc.) sobre a natureza da realidade e do conhecimento os filósofos geram,
indefinidamente, controvérsias sobre a natureza do Método Científico.
Como Cientistas ou Profissionais da Saúde, não nos podemos dar ao luxo de estar sentados e aguardar que os filósofos decidam qual o melhor método para adquirir conhecimento. No entanto, tal como será exemplificado abaixo, seria muito perigoso não ter em conta algumas das mais importantes ideias da história e filosofia da ciência.
Alguns críticos, como Chalmers (1976), argumentam que é simplista acreditar que as observações são feitas independentemente das noções teóricas do observador. O observador é selectivo em relação àquilo que regista como evidência. As nossas observações e factos são influenciadas pela teoria dominante, isto é, a própria teoria especifica que observações são importantes e que aspectos devem ser registados ou ignorados. Assim, ao utilizar o Método Científico, existe, à partida, um viés em favor da teoria dominante e da sua veracidade que é necessário ter em conta.
As primeiras críticas
sérias à base indutivista do Método Científico
surgiram no século XVIII na voz de David Hume. Segundo este autor, um
argumento indutivo não possuía qualquer força lógica;
pelo contrário, não era mais que uma suposição sobre
o facto de certos acontecimentos no futuro seguirem o mesmo padrão que
apresentaram no passado. Hume sublinha que, por muito razoáveis e evidentes
que estas suposições sejam, não existe a força da
lógica nem da necessidade por trás delas. Para Hume, assumia um
papel central a questão da inferência causal e da incapacidade
do indutivismo ser o alicerce lógico desta.
Por outras palavras, não interessa quantas vezes uma determinada sequência
de eventos se repete da mesma forma, pois isso nunca será uma prova lógica
de que existe uma relação causal entre os eventos. A inferência
causal, baseada na mera coincidência dos acontecimentos, constitui a falácia
conhecida como "pos hoc ergo propter hoc" (depois disto, logo por causa
disto). Essa falácia é um caso especial de uma outra falácia
lógica mais abrangente e que é conhecida como a falácia
da afirmação do consequente.
Essa falácia toma a seguinte forma geral: "Sabe-se que se H é
verdadeira, então B tem que ser verdadeira; e sabemos que B é
verdadeira; então, H tem que ser verdadeira". Esta falácia é
utilizada, por rotina, pelos cientistas na interpretação de dados.
Bertrand Russell (1945) resume esta falácia nas seguintes palavras: "if
p, then q; now q is true; therefore p is true.' E.g., 'If pigs have wings, then
some winged animals are good to eat; now some winged animals are good to eat;
therefore pigs have wings.'This form of inference is called 'scientific method".
Russell e Hume não
foram os únicos a lamentar a falta de coerência lógica do
raciocínio científico como ele é usado normalmente. Muitos
outros pensadores, desde os tempos de Hume, tentaram estabelecer uma firme base
lógica para o raciocínio científico. Um dos autores a quem
se tem dado mais atenção é o filosofo Karl Popper.
Popper (1959) abordou o problema levantado por Hume estabelecendo que as hipóteses
científicas não podem nunca ser provadas ou afirmadas como verdadeiras
num sentido lógico estrito. Pelo contrário, defendeu que as hipóteses
científicas só podem ser ou não consistentes com as observações.
Uma vez que é possível que as observações sejam
consistentes com mais do que uma hipótese, que podem elas mesmas ser
mutuamente inconsistentes, a consistência entre uma observação
e uma hipótese não é prova da veracidade da hipótese.
Porém, uma observação válida que seja inconsistente
com uma hipótese implica que a hipótese, tal como enunciada, seja
falsa, logo, refuta a hipótese.
Por exemplo, o facto de todos os dias o sol nascer não nos permite concluir
que o sol nasce todos os dias; no entanto, bastaria um dia em que o sol não
nascesse para podermos afirmar que é falso dizer que o sol nasce todos
os dias. Segundo Popper, a Ciência avança através de um
processo de eliminação a que dá o nome de "Conjectura e
Refutação". Os cientistas constroem hipóteses baseadas
na intuição, conjectura e experiência anterior. Os "bons"
cientistas usam a lógica dedutiva para fazer predições
a partir da hipótese e comparam, depois, as observações
com as predições. As hipóteses cujas predições
são concordantes com as observações são confirmadas
só no sentido em que podem continuar a ser usadas como explicações
dos fenómenos naturais. A qualquer momento, no entanto, podem ser refutadas
por novas observações e substituídas por outras hipóteses
que expliquem melhor as observações.
A esta maneira de encarar a inferência científica é dado
o nome de refutacionismo ou falcificacionismo.
Os refutacionistas consideram a indução como uma simples muleta
psicológica: observações repetidas não induzem a
formulação de uma lei natural, mas antes a crença de que
tal lei foi encontrada. Para um refutacionista só o conforto psicológico
dado pela indução pode explicar o facto de continuarem a existir
defensores da mesma.
O refutacionismo tem profundas implicações em relação
ao Método Científico. Este processo encoraja uma abordagem
que considere múltiplas hipóteses e a procura de testes que permitam
decidir entre hipóteses concorrentes através da falsificação
de uma delas. Uma vez que a falsificação é o objectivo,
este processo tende a despersonalizar as teorias. Isto é positivo por
evitar os viéses inerentes à afectividade do cientista em relação
às suas próprias teorias.
Muitos outros autores se
dedicaram a esta questão na procura incessante de dar um enquadramento
lógico à ciência e ao Método Científico.
Destacam-se as ideias de Thomas Khun (1962) sobre o papel da comunidade científica
na determinação da validade das teorias científicas e a
sua descrição da evolução da ciência, através
do confronto entre paradigmas, e a existência de quebras epistemológicas
entre dois paradigmas concorrentes.
De grande importância são, também, as ideias propostas por
Thomas Bayes (1764), que, tal como o refutacionismo, vê o conhecimento
como intrinsecamente incerto, mas foca a sua atenção, não
na verdade deste, mas no conhecimento em si. De modo muito simplificado, Bayes
defende que se conseguirmos atribuir um determinado grau de certeza às
premissas de onde parte o argumento válido (prior probability, probabilidade
antecedente ou probabilidade pré-teste), então poderemos usar
a teoria das probabilidades para atribuir uma probabilidade de certeza para
a conclusão assim obtida (posterior probability, probabilidade posterior
ou probabilidade pós-teste), e esta certeza será uma consequência
lógica das certezas originais. A proposta de Bayes constitui uma tentativa
construtiva de lidar com o dilema da incerteza inerente à ciência
e consegue, mesmo, propôr uma maneira de quantificar os limites dessa incerteza.